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ZONA FRANCA DE MANAUS
23-12-1990
O Lobo d´Almada descia o rio Amazonas preguiçosamente.
O velho navio estava lotado e pequenas multidões aguardavam-no nas cidades ribeirinhas: Parintins, Óbidos, Breves. Acordavam de seu abandono na imensidão da floresta. Em frente ao porto aglomeravam-se parentes e amigos dos passageiros, comerciantes e vendedores ambulantes, autoridades e transportadores, crianças afoitas e moças casadouras. Marinheiros e pescadores, policiais e prostitutas, religiosas e professoras primárias.
A cidadezinha inteira tremulava as mãos e o barco apitava.
Ainda deve continuar exatamente assim.
Meninos chegavam de catraias pedindo moedas e velhinhos vendendo bananas gigantes e cupuaçu.
A viagem de barco, de Manaus a Belém, durava uns três dias, deslizando placidamente. Não havia pressa e as noites eram silenciosas e intrigantes, quase monótonas.
Aquela água toda, as margens distantes e o resplandor permanente da lua no horizonte. Embaixo, os pobres apinhavam-se em redes e, nos camarotes, o calor era úmido e promíscuo.
E havia festas, alegria, corriam histórias de conquistas, e gentes esquecidas nas paradas.
Umas paulistas ao nosso lado desciam à terra com a certeza de ter algum artesanato para comprar, convencidas de que os lugarejos eram todos iguais, pobres, desolados.
Fiquei impressionado com a monumentalidade e luxúria do Teatro Amazonas, em Manaus, imenso, pop, com sua cúpula colorida, tropicalíssima, sobressaindo na paisagem.
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Foto: Revista Cenarium
Que atrevimento erguer, com material de construção importado, aquela sala de ópera no meio de nada, longe de tudo, no início do século.
Era ainda em 1963 e espantava pois Manaus decadente, não tinha dinheiro nem recursos para restaurá-lo oferecendo temporadas líricas...E dizer que Caruso e Sarah Bernhardt lá estiveram, em tempos áureos, cantando e declamando para os ricos senhores da borracha e seu séquito.
Nem sei se é verdade, mas a lenda que corre é a de que vinham companhias líricas e dramáticas apresentar óperas e dramas em italiano e francês! Hoje, nem em português.
Fiquei igualmente impressionado com a enormidade e exoticidade da “cidade flutuante”, barracos sobre toras nas águas do Rio Negro, gente pobre, sem terra para construir naquela imensidão de terra desabitada.
Era mesmo uma cidade, marginal, com casas e comércio, suja e pitoresca. Acabou na época da “Revolução de 64”, quando da criação da Zona Franca.
Voltei a Manaus duas vezes na época em que eu morava na Venezuela, em 1968 e em 1972, quando surgia o industrialismo da montagem, para exportação e, no centro da cidade, o comércio da Zona Franca.
Foi uma explosão! Um inchaço, uma expansão acelerada, com muitas fábricas no distrito industrial, subsidiárias das multinacionais atraídas pela isenção de impostos, e muitos migrantes do Nordeste e de outras regiões.
E o turismo do contrabando no período da “reserva de mercado” e da “substituição de importação” que vigorou no Brasil nos últimos 26 anos, condenando o país aos produtos nacionais, sempre caros e, quase sempre, superados.
Manaus, ao contrário, oferecia mercadorias mais sofisticadas, as novidades da eletrônica, a preços mais razoáveis. Paraíso fiscal, vitrine do consumismo.
Manaus triplicou sua população, surgiram novos bairros, edifícios altos. Ficou mais parecida com as outras cidades brasileiras.
Hoje a z
Zona franca já não oferece tantas novidades e os preços nem são tão vantajosos, sobrevive apenas o desejo por novidades. E a busca dos produtos eletrônicos da própria cidade, cada vez mais sofisticados.
E consolida-se o “turismo ecológico”, com hotéis modernos, confortáveis, e excursões que satisfazem a fantasia de norte-americanos, europeus e japoneses. Em pleno trópico, na própria selva, naquele planeta de águas e de árvores, naquele santuário da imaginação preservacionista dos países industrializados.
Neste ano o calor chegou a 53 graus! Mas tem-se o conforto do ar-condicionado e, se não bastasse, a variedade dos sorvetes com os gostos da terra: cupuaçu, taperebá, açaí.
Foto: Youtube: O gigante TUCUNARÉ da Amazônia
E os peixes de água doce: o pirarucu, o tucunaré, o saboroso tambaqui a piranha de barriga vermelha e as arraias de água doce. E os pratos com condimentos afrodisíacos como o tacacá e o leite de coco.
Bonito mesmo são os igapós embrenhando pela mata e os meandros de milhares de rios, lá embaixo, da janela do avião.
À beira do rio, Manaus não tem uma avenida marginal. Só agora começa a surgir uma, nas proximidades do Hotel Tropical.
As ruas do centro da cidade não têm vista para o rio, nem arborização, apenas o concreto de seus edifícios e o negrume da umidade ressecada nas paredes.
Volto a Manaus, pela enésima vez. Tenho acompanhado seu crescimento nos últimos anos. Agora voltei para ver os progressos na pesquisa científica, aos avanços da tecnologia.
Manaus optou, definitivamente, pela modernidade e pela indústria eletrônica. Profissionais de toda parte, do sul e do estrangeiro, animam a revolução industrial do local, embora os nativos continuem indiferentes, escondidos em casas palafitas, lutando pela sobrevivência com a lerdeza das maleitas.
É impressionante ver aquela enorme cidade, com quase um milhão de habitantes, no meio da selva, com catedral votiva à utopia do desenvolvimentismo. |